segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

FIRMEZA

Justin, um spaniel King Charles de olhos esbugalhados era como um minúsculo cachorro de brinquedo, do tipo que tiraria régias sonecas num travesseiro de seda de uma corte inglesa do século 17. Assim como aqueles cães , Justin foi mimado num grau supremo. Agora, no outono de sua vida, teve um sopro no coração e ficou surdo e frágil.
Nada o havia preparado para a odisséia que começaria quando hóspedes de sua protetora, Susan Warmflash, deixaram aberta a porta da frente da casa. Justin se aventurou de mansinho pelo lado de fora da casa e rapidamente se perdeu enquanto andava sem rumo pela vizinhança, em Closter, Nova Jersey. Enquanto dava voltas para encontrar o caminho de casa, ficava cada vez mais perdido.
Quando Warmflash percebeu que ele havia desaparecido, ela procurou freneticamente por ele. Ele, sem dúvida, também procurou por ela, mas não era capaz de ouvir o seu chamado; e deve ter ficado ainda mais desorientado pelos automóveis que passavam zumbindo rente a ele, e que ele não conseguia escutar. Warmflash afixou cartazes anunciando o cachorro perdido e uma mulher telefonou pra dizer que ela acabara de ver Justin atravessando um campo perto de sua casa sob uma chuva torrencial. "Ele parecia realmente cansado", observou a mulher. Warmflash saiu em disparada para encontrá-lo, mas o cão tinha ido embora.
Justin ficou perdido durante todo aquele verão. E durante todo o outono. E durante a maior parte do inverno. Então, finalmente, numa gelada noite de fevereiro - nove meses depois de seu desaparecimento - Justin saltou na frente de um carro que viajava a 23 quilômetros da casa dele. O cão estava tão sujo que o motorista mal conseguia vê-lo no escuro, mas o homem saltou pra fora do carro, apanhou Justin e descobriu seu paradeiro chegando a Warmflash graças a etiqueta de vacinação contra a raiva.
Justin suportou aguaceiros, calor, gelo e neve. Como um mimado cão de família que se viu, subitamente, sozinho e desprovido dos recursos e do amor aos quais ele estava acostumado, ele defrontou o desconhecido a cada novo dia e foi capaz de lidar com desafios supremamente difíceis. Ele que estava acostumado a se aconchegar em ociosas sonecas sobre o sofá, teve então de esmolar por abrigo. Acostumado a refeições substanciosas servidas em sua tigela, ele agora teve de rapinar alimentos. Acostumado a carinhos e afetos, ele agora teve de enfrentar a solidão e o desalento. Explica Warmflsh: "Ele teve de mudar sua personalidade. Teve de ficar feroz, forte e determinado. Ele era apenas uma coisa minúscula contra o mundo.
Seis meses depois, Warmflash ainda tem que despertar Justin muito gentilmente de suas sonecas. Ela diz: "se eu o toco de maneira muito brusca, ele se assusta terrívelmente. Bem no fundo dele, todo o seu trauma ainda está la. Sem dúvida, ele passou por tempos realmente duros". Mas, depois de acordar, Justin parece ter deixado esses tempos para trás. "Ele precisou de forças para aceitar o que aconteceu", acrescenta Warmflash. " Ele foi muito mais forte do que pensávamos".
(Trecho do livro A Bondade nos Animais, de Kristin Von Kreisler, editora Cultrix, 2005)
Imagem Meramente Ilustrativa

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