quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

CORAGEM

Um labrador cor de chocolate chamado Ole, era conhecido por ser tão tímido e medroso que corria à procura de abrigo como um cão de pradaria toda vez que falcões o sobrevoavam. Certa vez, quando perseguido por um alce, ele correu e escondeu a cabeça entre as pernas de seu protetor Stan Anderson. Com orelhas que se pareciam com as abas de um chapéu de caçador e a pele lustrosa como a de uma foca, Ole parecia totalmente desprovido de coragem - até um longo passeio que ele e Anderson fizeram perto de Rex Ford em Montana.
Enquanto o homem e o cão estavam caminhando ao longo de uma estrada usada para o transporte de toras e coberta de grama, um filhote de urso preto saiu do bosque caminhando com seus passos pesados. O estômago de Anderson ficou espremido num nó de apreensão. Certo de que a mãe do filhote apareceria sem dúvida alguma a qualquer instante, Anderson sussurrou para Ole; "Vamos dar o fora daqui", mas antes que eles pudessem dar meia-volta e sair correndo, a mamãe urso emergiu de uma vala a 30 metros de distãncia deles.
Erguendo-se em suas patas traseiras até mostrar toda a sua ameaçadora altura de 1,80 metro, a ursa se precipitou sobre Anderson e varreu-lhe o rosto com uma patada. Escorreu sangue pela bochecha e ele estava certo que havia perdido um olho. Ele também tinha certeza de que logo estaria morto. Ole, sempre tão medroso rosnou, latiu e mordeu a ursa. Ele afundou os dentes numa das patas traseiras do animal com tamanha ferocidade que ela parou por um instante, talvez se perguntando se matar Anderson com aquele cão furioso por perto não seria problemático demais para valer a pena. Então, ela virou de costas e galopou de volta até o seu filhote.
Quase entrando em estado de choque, Anderson, cambaleando e sangrando, se dirigiu para o carro, que estava estacionado a mais de 1,5 quilômetro de distância, e não sabia se iria conseguir chegar lá e em seguida dirigir mais 8 quilômetros até sua casa. As coisas ficaram ainda piores quando ele ouviu um barulho de arranhar a terra atrás dele, e então sentiu uma respiração na parte posterior do seu pescoço. Um lampejo de pavor atravessou sua mente, e ele enrijeceu.
A mamãe urso bateu sua cabeça contra Anderson e mordeu-lhe o ombro; em seguida, abocanhou-lhe o cotovelo com os dentes, e com um som terrível de trituração, mostrava-se impaciente para abocanhar-lhe os ossos. Ole enlouqueceu. Latindo, uivando e mordendo, ele se atirou sobre a ursa e mordeu todas as partes do corpo dela que conseguiu alcançar.
Anderson, tão apavorado por Ole quanto por si mesmo, empurrou a ursa com o braço livre numa última e desesperada tentativa de se livrar dela. Perdendo o equilíbrio, ela momentaneamente afrouxou as tenazes de suas mandíbulas e Ole afundou os dentes em seu traseiro. Ela rodopiou  e novamente saiu em direção ao filhote com seus movimentos pesados enquanto Ole continuava latindo. Durante toda a sua vida, Ole tinha dentro de si um feroz gladiador escondido, percebeu Anderson, e não uma trêmula borboleta.
Quando finalmente alcançaram o carro, Ole deixou de lado sua bravura e ferocidade e voltou ao seu eu usual, delicado e sensível. Ele colou o corpo contra o de Anderson e lhe deu apoio, e então lambeu-lhe o rosto para impedi-lo de perder a consciência no caminho de volta para casa. Anderson, cujas feridas precisaram levar centenas de pontos, diz: "Ole estava determinado a me salvar. Ele sabia o que estava fazendo." Atirado numa situação de crise, ele teve de se contrapor à sua natureza, básica, medrosa, reunindo toda a coragem necessária para fazer o que precisava ser feito.
(trecho do livro A Bondade dos Animais, Kristin Von Kreisler, Editora Cultrix, 2005)
Imagem meramente ilustrativa